Introdução
"A Filosofia Política na Idade Média" de Sérgio Ricardo Strefling é uma obra acadêmica detalhada que explora a evolução do pensamento político durante a Idade Média.
O livro é estruturado em quatro blocos principais, cada um subdividido em unidades que abordam diferentes aspectos do tema.
A obra pretende servir como um guia de estudo para a disciplina de História da Filosofia Medieval, especialmente no contexto de um curso de Licenciatura em Filosofia na modalidade de Educação a Distância da Universidade Federal de Pelotas.
Strefling oferece uma análise profunda das raízes clássicas do pensamento político medieval, a influência do Cristianismo, e os principais debates teóricos que moldaram a relação entre o poder secular e espiritual durante esse período.
Bloco I: As Raízes da Política Medieval na Antiguidade
Unidade 1: O Império Romano e o Poder do Imperador
A civilização romana, que se desenvolveu a partir do século VIII a.C., teve três principais períodos políticos: a Realeza, a República e o Império.
Durante o Império, que se estendeu de 27 a.C. a 476 d.C., o imperador possuía um poder centralizado e absoluto, o que influenciou significativamente as estruturas de poder subsequentes na Europa medieval.
O modelo administrativo do Império Romano, com sua complexa burocracia e sistema legal, forneceu um arcabouço essencial para as futuras monarquias europeias.
Os imperadores romanos, especialmente figuras como Augusto e Constantino, estabeleceram precedentes de governança que combinavam autoridade militar e civil.
A ideia de "cidadania romana" foi transformada na noção de súditos leais ao rei durante a Idade Média.
Além disso, a Pax Romana, um período de relativa paz e estabilidade dentro do Império, serviu como um ideal para os governantes medievais que aspiravam à unidade e à ordem em seus próprios reinos fragmentados.
Unidade 2: O Cristianismo e o Poder do Papa
Com o advento do Cristianismo, a figura do Papa emergiu como uma autoridade espiritual suprema.
Este desenvolvimento foi crucial para a formação do poder político medieval, pois introduziu uma dualidade de poder entre a autoridade secular do imperador e a espiritual do Papa.
A transformação do Cristianismo de uma seita perseguida em uma religião estatal com o Edicto de Milão em 313 d.C. marcou o início da influência crescente da Igreja na política.
A conversão do Imperador Constantino e o subsequente Concílio de Niceia em 325 d.C. não apenas definiram a ortodoxia cristã, mas também estabeleceram a estrutura organizacional da Igreja, com o Papa como sua cabeça visível.
O colapso do Império Romano Ocidental em 476 d.C. deixou um vácuo de poder que a Igreja Católica Romana preencheu, fornecendo coesão social e liderança moral durante os tempos caóticos que se seguiram.
Bloco II: Fatos e Doutrinas na Teocracia da Alta e da Baixa Idade Média
Unidade 3: A Doação de Constantino
A Doação de Constantino foi um documento forjado que pretendia legitimar o poder temporal do Papa sobre o Ocidente.
Embora posteriormente exposto como falso, teve um impacto duradouro na política medieval.
A Doação de Constantino alegava que o Imperador Constantino havia doado ao Papa Silvestre I e seus sucessores autoridade sobre o Império Romano do Ocidente.
Este suposto ato de generosidade imperial foi utilizado pelos Papas para justificar sua reivindicação de poder temporal sobre os governantes europeus.
A falsa Doação influenciou as relações entre a Igreja e os estados seculares por séculos, sendo usada como base para muitas das reivindicações papais de supremacia sobre os reis e imperadores.
Unidade 4: Gregório VII e as Investiduras Leigas
O papado de Gregório VII foi marcado pela luta contra as investiduras leigas, um conflito entre a autoridade papal e os reis europeus sobre o direito de nomear bispos.
Esta disputa culminou na excomunhão de Henrique IV, imperador do Sacro Império Romano.
O conflito das investiduras representou uma crise profunda na Idade Média, desafiando a distribuição de poder entre a Igreja e o Estado.
Gregório VII, em seu famoso Decreto de 1075, proibiu a prática de investidura leiga, onde imperadores e reis nomeavam bispos e abades.
Esta prática comprometia a autonomia e a espiritualidade eclesiástica.
O confronto entre Gregório VII e Henrique IV culminou em 1077, quando Henrique fez a penitência em Canossa, simbolizando a tensão entre poder espiritual e temporal.
A Concordata de Worms em 1122 finalmente resolveu o conflito, permitindo que a Igreja nomeasse seus próprios bispos, mas reconhecendo o papel do imperador na outorga de terras e títulos seculares.
Unidade 5: A Teoria das Duas Espadas
São Bernardo de Claraval elaborou a teoria das duas espadas, que separava claramente o poder espiritual do temporal.
Esta teoria defendia que ambos os poderes deveriam coexistir, mas sob a supremacia da autoridade espiritual.
A teoria das duas espadas, derivada de uma interpretação da Bíblia, argumentava que Deus havia dado duas espadas: uma espiritual, à Igreja, e outra temporal, ao Estado.
Segundo São Bernardo, o poder espiritual era superior e guiava o temporal, mas ambos eram necessários para a ordem divina e terrena.
Esta teoria influenciou profundamente a doutrina política medieval, justificando a preeminência da Igreja em assuntos de moral e fé, ao mesmo tempo em que reconhecia a importância do poder secular na manutenção da ordem pública.
Bloco III: A Filosofia em Defesa do Dualismo Político
Unidade 6: Santo Tomás de Aquino
Santo Tomás de Aquino foi um defensor proeminente do dualismo político.
Ele argumentava que a autoridade temporal e espiritual deveriam ser distintas, mas colaborativas, com a espiritual guiando a temporal.
Em sua obra "Summa Theologica", Aquino desenvolveu uma síntese entre a filosofia aristotélica e a teologia cristã.
Ele introduziu a ideia de que a lei natural, baseada na razão e acessível a todos, deveria guiar a lei humana.
Aquino via o Estado como necessário para a ordem e bem-estar da sociedade, mas subordinado aos princípios morais da Igreja.
Ele argumentava que a autoridade temporal tinha uma função prática e necessária, mas era a autoridade espiritual que fornecia o objetivo último da vida humana: a salvação.
Unidade 7: João Quidort
João Quidort também contribuiu para a defesa do dualismo político, enfatizando a autonomia relativa dos poderes secular e eclesiástico.
Ele argumentava que ambos os poderes têm sua origem em Deus, mas funcionam de maneiras diferentes e complementares.
Quidort, em seu tratado "Sobre o Poder Real e Papal", sustentava que o Papa tinha autoridade espiritual, enquanto o rei tinha autoridade temporal.
Ele propunha que a Igreja deveria se concentrar na orientação espiritual e moral dos fiéis, deixando a administração da justiça e a governança política para os governantes seculares.
Este equilíbrio permitia uma coexistência pacífica e mutuamente benéfica entre as esferas espiritual e temporal, evitando a centralização excessiva de poder em uma única autoridade.
Bloco IV: A Filosofia em Defesa do Monismo Político
Unidade 8: Egídio Romano
Egídio Romano foi um defensor do monismo político, argumentando pela supremacia do poder papal em todos os aspectos da vida, incluindo a política.
Ele acreditava que o Papa, como representante de Deus na Terra, deveria ter autoridade suprema sobre todos os outros poderes.
Em sua obra "De Ecclesiastica Potestate", Egídio Romano defendia que o Papa tinha direito divino de governar não apenas a Igreja, mas também o mundo secular.
Ele via o poder papal como derivado diretamente de Deus, superior a qualquer autoridade terrena.
Para Egídio, o Papa deveria exercer um controle direto sobre os governantes seculares, assegurando que suas ações estivessem em conformidade com a vontade divina.
Esta visão teocrática foi influente durante os períodos de maior centralização do poder papal, mas também gerou resistência e controvérsia entre os monarcas europeus.
Unidade 9: Dante Alighieri
Dante Alighieri, mais conhecido por sua obra literária, também ofereceu contribuições ao pensamento político.
Ele defendia a ideia de um império universal, onde o imperador, guiado pela justiça divina, governaria sobre todos os povos.
No tratado "De Monarchia", Dante argumenta que um governo universal é necessário para garantir a paz e a justiça.
Ele via o imperador como um líder secular independente que deveria governar de acordo com princípios racionais e justos, embora em harmonia com a autoridade espiritual do Papa.
Dante criticava a corrupção e a interferência papal nos assuntos temporais, defendendo uma clara separação de poderes onde o imperador tinha autonomia em questões políticas e administrativas, mas se submetia à orientação moral e espiritual da Igreja.
Unidade 10: Marsílio de Pádua
Marsílio de Pádua foi um pensador crítico do poder papal e defensor da soberania popular.
Em sua obra "Defensor Pacis", ele argumentava que a autoridade do governo deveria emanar do povo e que o estado deveria ser laico, embora não anti-religioso.
Marsílio de Pádua propôs uma teoria política que enfatizava a origem popular do poder político.
Ele argumentava que o governo deveria ser baseado na vontade coletiva dos cidadãos e que a Igreja deveria limitar-se a assuntos espirituais.
Marsílio criticava a concentração de poder no papado e defendia a separação entre Igreja e Estado, com o objetivo de prevenir abusos e promover a justiça social.
Ele via a religião como uma força moral importante, mas acreditava que a governança deveria ser baseada na razão e na representação popular.
Conclusão
A obra "A Filosofia Política na Idade Média" de Sérgio Ricardo Strefling oferece uma análise detalhada da evolução do pensamento político medieval, destacando as tensões e interações entre o poder secular e espiritual.
Ao explorar as contribuições de diversos pensadores e eventos históricos, o livro proporciona uma compreensão profunda das bases filosóficas que moldaram a política medieval e suas repercussões na modernidade.
O livro não apenas documenta os debates teóricos e conflitos práticos da época, mas também contextualiza a importância dessas discussões para o desenvolvimento da filosofia política ocidental.
Através de uma análise abrangente, Strefling revela como as ideias medievais sobre autoridade, governança e justiça continuam a influenciar o pensamento político contemporâneo.
A obra é essencial para aqueles que desejam entender as raízes históricas do dualismo e monismo político e como esses conceitos evoluíram e foram aplicados ao longo dos séculos.
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